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A Via de Mão Única

Se eu pudesse ter um minuto com você, me empenharia em gastá-lo apenas dizendo o quão especial você é. Passaria o dia te observando – e o faria de bom grado, porque nada me deixaria mais feliz;

Se eu pudesse tocar o seu coração, eu o limparia de toda mágoa passada, enxugaria as feridas sangrentas e o manteria aquecido com o meu calor;

Se eu pudesse expressar em palavras o que eu sinto, iria demorar dias somente descrevendo os seus olhos;

Se eu pudesse estar com você por uma semana, não aceitaria porque não suportaria a dor de te perder ao fim dela. Acabar com minha tristeza eu só conseguiria caso você sorrisse porque o seu sorriso é a chama que alegra a minha vida;

Se eu pudesse fazer parte de sua vida, eu seria o seu abraço nas noites turbulentas, o seu beijo que tranquiliza, o seu toque que só espera um retorno positivo. Iria ouvir o que quer que tivesse a dizer e ser o seu consolo quando o choro chegasse. Apreciaria qualquer simples gesto porque nada que você fizesse ou dissesse passaria despercebido por mim;

Se eu pudesse ter uma chance com você, seria o seu melhor amigo, seu fiel confidente. Ver você já me garante o dia, abre portas para sentimentos que só existem quando você está por perto;

Mas mais um dia se passa e continuo te amando de longe. Mais um dia sem que saiba da minha existência. Minha única intenção é entregar a você o meu coração como o único presente que posso oferecer. E pedir que você me segure a mão e prometo que nunca – nunca – te deixarei ir.

Triste? É a realidade para muitos. E às vezes mais de uma vez. .-.

O Cântico do Velho Sábio

Como em qualquer bom conto que se tenha nas mãos, esse começa com três adoráveis irmãos. Antaro, Antera e Anturo, querendo viver uma história de ação.

Antaro era o mais destemido, porém de menos bondade no coração;

Antera era tão bela, mas sucumbia a qualquer emoção;

Anturo era sábio, mas ainda não tinha essa compreensão;

Numa bela tarde de um dia de verão, Antaro teve uma ideia para conseguir dos irmãos sua atenção.

“Vamos descer o vale, lá onde reina a escuridão! Sinto que lá embaixo encontraremos alguém sábio e de razão”.

Antera bateu palmas e se levantou de prontidão. Mas Anturo ficou parado, mostrando receio em sua expressão.

“Lá embaixo vive um homem totalmente indigente. Uma viagem a sua casa seria muito imprudente”.

Ouvindo seu irmão, Antaro não se incomodou. Tratou de dizer calmas palavras e o rosto de Anturo desanuviou.

“Ele é pobre, mas sereno como você. Dizem que prevê o futuro, tem o olho que tudo vê”.

Uma vez que se entenderam em comum aprovação, os irmãos desceram o vale, deixaram para trás seu grande reino, começando a expedição.

Após uma hora caminhar sem nem um segundo cessar, logo encontraram uma caverna onde era improvável alguém morar. Descobriram que estavam errados quando um velho barbudo saiu: calça rasgada, blusa suja e um desajeitado corpanzil.

“Viemos aqui, senhor, em busca de aventura”, disse-lhe Antaro com espírito de bravura.

“Aqui diversão não irão encontrar, apenas os mais humildes e sábios saem daqui e felicidade podem buscar.”

“Não somos humildes, mas temos muito ouro!”, disse-lhe Antera crendo este ser seu maior tesouro.

“Se dos meus serviços querem mesmo desfrutar, receio que não há nada que possa fazer para ajudar”.

Com essas palavras, o velho fechou os olhos e se calou. Depois de muito tempo, reabriu-os e alguns versos entoou.

“Eu não vejo o destino, mas posso presumir

Que todos vocês três em breve vão ruir

Antaro, tão corajoso, terá finalmente medo
E não agüentando a dor, partirá deste mundo muito cedo
Antera, tão bela, uma doença irá contrair
E nem todo o dinheiro do mundo poderá sua morte impedir

Anturo, tão calmo e sereno, fico triste de anunciar
Que a pior escolha de sua vida sua morte irá causar”

Aquela profecia um ultraje foi considerada. Nenhum homem no mundo com aqueles irmãos agira antes de maneira tão ousada!

O velho, decidiram, seria levado como prisioneiro.

“Vamos ver”, debochou Antaro, “de acordo com sua história quem de nós morrerá primeiro!”

Vários dias transcorreram e nada de mal se passou. Até esqueceram-se do cântico que aquele velho proclamou! É claro que ele ficara maluco, naquela caverna sozinho caducou…

Mas Antera não se esquecera e ficou preocupada. De tanto se preocupar, acabou ficando obcecada. Numa certa noite, acabara de anoitecer, o médico dos irmãos deu a notícia que ela acabara de adoecer.

“Cure-a, imprestável!”, gritou logo Antaro.

“Esse mal eu não conheço”, explicou o médico, “é algo muito raro”.

Todos os dias os irmãos, então, visitavam a bela jovem. Antera acabara se conformando. “Todos um dia morrem”.

Mas quando por fim, um dia, a mulher faleceu, Antaro se isolou, por ela muito sofreu.

Anturo também sofria, às vezes nem queria estar vivo. Só que com Antaro era pior e ele caiu depressivo.

Nada que Anturo dissesse conseguia ajudá-lo, seus esforços de que o irmão deveria aceitar a vida e a morte não era o suficiente para curá-lo.

Já era noite quando Anturo foi acordado. Vieram avisá-lo que seu irmão da torre mais alta tinha se jogado.

Em sua desolação, Anturo lembrou-se daquele infeliz dia em que procuraram aquele velho e saíram em zombaria.

Desceu até o calabouço onde ele era mantido preso, desembainhou sua espada e deixou o candelabro aceso. Lá estava o velho, caído no chão, mas Anturo não ligou, sua raiva suprimia a compaixão.

“Você matou os irmãos que eu amava. Mas sua profecia inteira não vai acontecer. Eu também não vou morrer porque eu escolho viver”.

Para sua surpresa, o velho sorria.

“Eu sempre soube que você viria. Os mais sábios sempre vêm mais dia, menos dia.

Nunca quis matar nenhum irmão seu. Eles morreram porque queriam acreditar que quem sabia de seu futuro era eu!

O cântico não era verdadeiro, mas sua irmã Antera acreditou por inteiro. A doença que a matou era a preocupação, não conseguiu viver sabendo sua suposta futura condição.

Seu irmão, Antaro, também acreditou que a morte era o seu futuro. Acreditou no que eu dissera, entregou-se à tristeza e matou-se inseguro.

Você, Anturo, não se deixou levar pela minha revelação. Viveu a sua vida normalmente e sem hesitação.

Não acabe acreditando no que o outro acha que pode prever; seu futuro quem fará é você, outros não sabem o que vai acontecer. Siga daqui em diante levando consigo essa lição: ser influenciado é uma capacidade que só é usada em vão.

Anturo libertou o velho e, juntos, fugiram. Nunca mais se ouviu falar dos dois, mas sabe-se que muito felizes seguiram.

Muita gente tem a péssima mania de se deixar levar. Acredita em tudo que lhes diz, faz tudo o que lhes manda fazer, deixa de fazer o que gosta em função de motivos que com certeza não são os certos. Mudar por influência de alguém só mostra como a opinião alheia é mais importante do que a sua. Não é só no conto que essa história acaba de forma trágica. Seguir pela cabeça dos outros também mata aquilo que o diferencia dos demais: a personalidade. Perdê-la é viver como escravo da opinião alheia. Feliz daquele que, como Anturo, aprendeu que ouvir o que os outros pensam sobre si mesmo só vale a pena quando está de acordo com os seus próprios planos.

Doppelgänger

RÚSSIA – 1973

– Tá mesmo?

– Sem erro.

– Ainda não tô vendo nada!

– Shiu!  Vai acordar a Sra. Menfford.

– ‘Peraí, que eu vou buscar água.

A chuva fustigava a janela com violência, não deixando nenhuma dúvida de sua presença sobre a casa. Era um típico dia de inverno, frio demais para qualquer outra pessoa em qualquer outra parte do globo, mas não para três adolescentes inquietos numa cabana no coração da Rússia. Seus pais, três excêntricas famílias distintas, tiveram que viajar a negócios e resolveram deixar seus filhos sob os cuidados de uma velha senhora que morava na encosta de um morro àquela época coberto de neve.

– Ótimo, fim do acampamento.

– Alguém quer água? – Vittoria retornou com um copo de vidro com água que bebeu completamente e depositou sobre a mesa de centro circular no meio da sala de visitas, onde os dois garotos estavam atirados.

_Quero uma solução, que diabos faremos nessa chuva?

Vittoria limitou-se a sorrir diabolicamente para Dimitri e apontou para o copo que repousava inutilmente a frente dos três.

– Copo!

– Do que você está falando? – exclamou Bhramz, o menor dos garotos e o menos provável de parar na cadeia dali a uns três anos.

Ah, sim! Não, não, Vittoria, precisamos de um copo virgem!

– Copo vir…? Dimitri, do que você está falando?

– Você é idiota? – Vittoria disse dando um safanão em Bhramz.

– Ai! Que foi?! Só nunca ouvi falar!

Enquanto os dois discutiam, Dimitri já voltava da cozinha trazendo um outro copo intocado.

– Esse aqui faz parte da coleção “Não se aproxime” da Sra. Menfford.

_Excelente! – disse Vittoria já se aproximando e surrupiando o copo das mãos gélidas de Dimitri. – Olhe e aprenda Bhramz – continuou Vittoria arrancando uma folha do caderno e escrevendo coisas incompreensíveis para o pobre Bhramz.

Sua cabeleira loira caía sobre o pedaço de papel e ela não via a expressão cobiçosa estampada no rosto de Dimitri ao seu lado. A garota ergueu o corpo, deu um sorriso zombeteiro e iniciou a brincadeira:

– Oh, espíritos que aqui residem…

Bhramz se encolheu.

_… se nos escutam nesse momento… – Vittoria olhou sombriamente para Dimitri, que sorria perversamente , então encarou o vazio sem foco. – PROVEM!

 Silêncio.

Bhramz respirou fundo, mas antes que pudesse dizer algo, o atiçador da lareira caiu com estrépito.

Ele pulou da poltrona em que estava sentado e gritou como nunca fizera na vida.

Dimitri e Vittoria riram desesperadamente.

– Não acredito que você caiu nessa! Babaca!

– Vão para o inferno! – Bhramz xingou levantando e subindo as escadas que levavam aos quartos.

– Ele é tão criança! – disse Dimitri vendo Vittoria pegar o atiçador caído no chão. Sabia que as garotas não gostavam de meninos imaturos e queria passar uma imagem bem adulta para a garota que desejava.

Vittoria soltou um sonoro grito e recuou uns dez passos.

– O que foi? – Dimitri veio correndo e reparou a figura sombria e parada à luz da noite na janela próxima a lareira na varanda da cabana da Sra. Menfford.

– BHRAMZ!  – exclamaram em uníssono.

De fato, o franzino garoto de cabelos ruivos estava parado do lado de fora da casa. Ele os encarava da janela, mas seus olhos estavam desfocados, como se não os visse realmente.

– O que ele está fazendo lá fora? – sussurrou Dimitri.

Nenhum dos dois entendia como o pequeno colega fora parar ali tão rapidamente.

– Ele pode ter pulado a janela!

– Impossível! Vimos ele acabar de subir as escadas, uma queda das janelas é de mais de…

Vittoria gritou esganiçada outra vez e não conseguiu concluir sua fala. Bhramz pusera sua mão repentinamente sobre a superfície de vidro da janela fechada, exibindo uma palma tão branca que era de se esperar que fosse de alguma coisa morta.

– Ele está tentando assustar a gente? – Dimitri perguntou recuperando parte de sua coragem, mas ainda sussurrando, pois nunca vira o garoto, geralmente muito medroso, agir daquele jeito.

 As pontas dos dedos de Bhramz se dobraram e ele começou a arranhar o vidro, produzindo um incômodo barulho. Ele não conseguiu abrir, mas ao invés de parar, pressionou as unhas com mais força. Seus dedos começaram a sangrar à medida que suas unhas iam quebrando e se enfiavam para dentro da carne. A substância avermelhada que saía de seus dedos ia caindo lenta e horizontalmente em direção ao solo.

– Eu estou assustada, Dimitri. Vou pegar as chaves e tirá-lo lá de fora.

Vittoria deu meia-volta e subiu as velhas escadas que conduziam ao primeiro andar da rústica cabana de Katerina Menfford. A madeira rangeu a cada degrau que ela pisava, arriscando ceder a qualquer instante.

O corredor do primeiro andar estava imerso na escuridão. Vittoria sabia que a cada passo, o soalho velho denunciava sua posição e sentiu medo. Uma risadinha incessante começou em um dos cômodos e não parou mais.

– Sra. Menfford? – ela perguntou, se aproximando da porta de onde as risadinhas saíam – sra. Menfford, a senhora está aí dentro?

– É claro que não está.

Vittoria gritou feito louca seguida por Bhramz, que se assustou com o grito da garota.

– Bhramz? Que susto, garoto. Por que você foi se enfiar lá fora, hein? Dimitri! – ela gritou para a sala de visitas lá embaixo – Ele está aqui em cima!

– Me enfiar lá fora? Mas eu estive aqui encima o tempo todo…

Vittoria fez sinal para que ele se calasse.

– Dimitri! Por que não me responde? – chamou Vittoria descendo as escadas, acompanhada de Bhramz, que roía as unhas.

A janela estava aberta. Vittoria meteu a cabeça lá fora, espiou dos dois lados e se virou para falar com o garoto.

– Muito bem. Para onde o Dimitri foi depois que você pulou?

– Eu não pulei! Estou te dizendo! Estive lá encima esse tempo todo.

Vittoria revirou os olhos.

– Não, não esteve. Pare de ficar repetindo isso…

Mas então ela viu. As mãos do Bhramz a sua frente estavam intactas. A do garoto que vira do lado de fora da cabana deveriam estar todas machucadas e repletas de sangue.

– Se você está aqui… então quem…?

Vittoria gritou pela última vez àquela noite. E, naturalmente, a última vez em toda a sua vida. Bhramz assistiu sem poder fazer nada quando duas mãos ensanguentadas puxaram a garota pela cintura para fora da cabana.

Bhramz estava horrorizado. Deveria ajudar Vittoria? Mas estava tão quieto lá fora… Provavelmente ela já estava… Foi quando uma risadinha começou do lado de fora, a risada dele, é que Bhramz perdeu a cabeça e saiu correndo da sala de visitas para a sala mais próxima.

– Oh, meu Deus – ele gemeu, apavorado – oh, meu Deus, o que é isso?

O corpo de Dimitri rodava no ventilador que pendia com o peso dele, seus olhos estavam vidrados e encaravam o Bhramz pálido ali embaixo.

Ele teve vontade de desmaiar e pareceu ficar preso aos olhos sem vida de Dimitri. Até que ele viu uma figura de cabelos ruivos se ergueu sorrateiramente atrás dele através da retina do falecido colega.

Bhramz soltou um berro ensurdecedor, mas ninguém veio em seu socorro. Não houve sra. Menfford, não houve ninguém. Ele correu para o fundo da sala, mas não tinha saída. Ele foi obrigado a olhar para o que quer que estivesse em sua frente e o choque não poderia ser maior ao ver a si próprio segurando o atiçador de lareira que caíra ao chão durante a brincadeira.

O doppelgänger de Bhramz tinha os olhos desfocados, as unhas e a boca sujas do sangue de seus amigos. Ele riu e novamente o riso de Bhramz foi emitido de uma boca que não era a sua.

– Não mexa com quem está em paz, garotinho. Quem cutuca os mortos, dá a entender que está cansado dessa vida – a sua voz falou.

O duplo de Bhramz jogou o atiçador no chão aos seus pés e saiu pela porta da cabana, poupando-o (ou não) de uma morte brutal.

Sobre o blog

Hum, meu primeiro post. Após quinze minutos travando uma feroz batalha com as ferramentas do site, acho que estou pronto para dizer que, sim, esse é oficialmente o primeiro post.

Fazendo jus ao título, esse blog é um local indicado por um amigo e onde descobri uma chance de escrever tudo aquilo que acho interessante, que penso, que crio e, se não tenha a coragem de desenvolver, possuo pelo menos o bom senso de compartilhar com outras pessoas que talvez achem proveitoso e sejam até um estímulo para a minha caminhada.

Aqui é possível que você encontre textos sombrios, crônicas divertidas ou, quem sabe, algumas postagens melancólicas. O meu humor pode ser demasiado variável, o que me permite garantir que diversidade vai ser uma marca registrada deste blog. Esperando que se empolguem com ele e o achem proveitoso assim como eu tenho achado até o momento, despeço-me.

 

Leandro Lemos